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Foo Fighters chega para entrevista coletiva

Os 20 anos do Rock in Rio 3

A Cidade do Rock em Jacarepaguá em uma tarde quente de janeiro de 2001

Essa editoria do site demorou um pouco para ser inaugurada. Esse “Eu fui!” tem uma ligação com um dos maiores festivais do mundo, com certeza o maior dos brasileiros, o Rock in Rio. O “Rock in Rio – Eu fui!”, é o maior sucesso de merchandising. Por aqui vou contar um pouco dos bastidores da produção de uma reportagem, de uma cobertura de shows ao vivo. Ao mesmo tempo, mostro a forma como foram escritas na época para ilustrar como o texto do jornalista amadurece com o tempo, um bom exercício para quem quer enveredar pelo jornalismo cultural.

Em janeiro de 2021 completaram-se 20 anos da 3ª edição do Rock in Rio, a primeira delas a ser realizadas em um mundo mais virtual, mais digital do que as duas primeiras (1985 e 1991), que acompanhei pela TV em Uberlândia. Dez anos separaram a 2ª da 3ª edição. Foi quase um novo debute do festival idealizado por Roberto Medina.

Eu acabava de concluir o curso de Jornalismo, era recém chegada na redação do saudoso jornal “Correio de Uberlândia” e aos 20 e poucos anos o que não falta pra gente é ousadia. Mesmo novata em tudo posso dizer que inaugurei uma nova fase no segundo caderno do “Correio”. E isso começou com a cobertura do Rock in Rio 2001. Eu ainda nem era contratada como repórter, as matérias saíram assinadas como “Especial para o Correio” e a cobertura maior acabou sendo os destaques nas colunas sociais de Rogério Cunha e Carlos Hugueney Bisneto. Um festival daquele tamanho rendeu uma matéria de meia página e duas de ¼ de página. Viaja comigo nessa quinta que agora é de #TBT.

TALHERES DE METAL

Em 2001 ainda tínhamos a Varig em atividade no Brasil e uma viagem de avião não era nada acessível. A minha ida para o Rio de Janeiro, que também foi a minha primeira viagem aérea, foi viabilizada pela minha amiga Luciane Barros (R.I.P.). Eu a conheci na faculdade, bem, no dia em que fui ver a lista de aprovados nas paredes de um cursinho no Fundinho. Fã de música como eu, ela tinha o sonho de assistir ao festival, principalmente pelo Foo Fighters, que naquela época era “apenas” a banda do ex-baterista do Nirvana. A Luciane trabalhava na antiga ACS e tinha cartão American Express. Eu não me lembro em quantas parcelas paguei as passagens… mas foi assim que fui. O jornal não oferecia ajuda de custo. Meu chefe na época, Maurício Ricardo, fez o que pode com assinaturas, envios de fax e toda uma burocracia envolvida em se conseguir um crachá de imprensa para um festival desse porte na época.

Ainda serviam refeições com talheres de metal nas aeronaves…eu trouxe duas pra casa, só lembro disso…e da Luciane que não queria olhar pra fora do avião. A estadia era também na “brodagem”. Os amigos cariocas deram casa e comida pra gente, o que rendeu muitos rolês pela Cidade Maravilhosa.

MINEIRAS NO RIO

Desembarcar no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, era o máximo. Mais máximo ainda era encontrar artistas que você gostava. No nosso caso, foi O Rappa. A banda carioca estava a caminho de Santos, onde se apresentaria, após liderar um boicote de bandas nacionais ao festival que contou com Charlie Brown Jr, Cidade Negra, Jota Quest, Skank e Raimundos.

A Cidade do Rock, em Jacarepaguá, ficava bem longe das casas onde nos hospedamos. Telefone celular, nem pensar. Pra encontrar a Luciane precisava marcar hora e lugar porque eu quis cobrir as coletivas de imprensa desde a minha chegada. A maioria aconteceu no hotel Inter-Continental, em São Conrado, a cerca de 40km da Cidade do Rock, de onde uma van levava os jornalistas (essa foi literalmente a única mordomia que tive). Outras foram no Copacabana Palace e Sofitel. Entre um dia e outro, apesar de não ter sido credenciada como fotógrafa, com uma câmera amadora, fiz meus registros. Para mandar pro jornal precisava revelar, escanear e enviar via e-mail por uma lan house (e você aí reclamando do 3G). Era um trampo e tanto, e ficava caro, assim como táxi num tempo sem aplicativo de transporte.

ENTREVISTAS: ELOGIOS AO CABELO AZUL E FEBRE

Com exceção do chamado Dia Teen, com Britney Spears, N´Sync, Sandy & Jr. e afins, acompanhei o que pude nos outros quatro dias do festival. Com a lista de horários previstos das coletivas ia fazendo as contas. Entre os dias 12 e 21 de fevereiro, foram cerca de 40 coletivas.

Cheguei no Rio no dia 11 e fui direto para o credenciamento no Inter-Continental. Já resolvi tentar a sorte. Não conhecia muito de Daniela Mercury, mas ela estava a postos para a coletiva e resolvi ficar para sentir o clima de uma coletiva internacional. Dani foi simpática com a então novata Adreana Oliveira. Consegui exclusivas com Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii), James Taylor…

Com James Taylor foi o teste de inglês pra valer. A expectativa dele era saber se conseguiria a mesma resposta do público que teve em 1985. E a resposta foi positiva.

E não é que a sorte estava do meu lado? O Foo Fighters se apresentaria dali a três dias, mas já estava em terras brasileiras. Andando pelos corredores do Inter-Continental encontrei o baterista Taylor Hawkins e o guitarrista Chris Shiflett. Resolvi dar um olá e fui muito bem recebida, com direito a autógrafos e fotos. O Chris faz aniversário no  mesmo dia que eu e escreveu “happy bday” no meu autógrafo.

No dia seguinte a primeira coletiva foi no Copacabana Palace. Foi a primeira vez que entrei naquele espaço, em áreas bem restritas. O R.E.M. veio e foram somente 20 minutos de entrevista e equipes de todas as partes do mundo estava ali só por eles. Peter Buck, Michael Stipe e Mike Mills, pela primeira vez no Brasil, responderam a perguntas bem óbvias e fizeram uma sessão de fotos na sacada do hotel.

A outra coletiva era a do Foo Fighters, no Inter-Continental. Eu eu sou fã de Nirvana pra c******. Mas ali não tinha como dar uma de fã. Já havia encontrado metade da banda, mas ainda não havia visto o Dave Grohl. Quando ele pisou na sala o meu coração disparou e minha temperatura subiu. Tive febre mesmo e rezei pra não desmaiar. O Chris e o Taylor olharam pra mim e disseram: “The girl with the blue hair”. Ao contrário do tempo cronometrado do R.E.M., o FF ficou por mais de 40 minutos com a gente. Tomaram cerveja, colocaram os pés sobre a mesa, riram muito. Eu fui uma das primeiras a me inscrever para perguntas e acabei participando mais dessa coletiva. Eu até hoje não sei se era piada, mas Dave disse que gostaria de ver Oasis e Guns ´n´Roses. E aprenderam rapidinho uma palavra em português: “Cerveja, please”. “A gente não costuma fazer muita coletiva de imprensa, não tem tanta gente que goste de nós”, brincou Dave. Nem sempre a tradutora entendi a ironia em algumas respostas. Foi nesta coletiva que ele falou de um outro projeto. “Estou enviando uma fita com músicas para vários vocalistas colocarem letra e voz, inclusive Max Cavalera”. Em 2014 o mundo conheceu o Probot. “Depois de tanto implorar, o Dave me deixou entrar na banda”, disse Taylor. E esse foi o clima da coletiva. Numa das poucas vezes em que o Nirvana foi citado Dave responde. “Eu estava bêbado quando disse que tocava na banda mais importante do mundo, foi uma brincadeira”. No dia seguinte, li reportagens em que disseram que o vocalista “ficou irritado” quando era questionado sobre sua ex-banda. Não parece estávamos no mesmo lugar. Teve cerveja derrubada na mesa, brincadeira com os gravadores ali, os 50 minutos mais divertidos de todas as coletivas. No final eu resolvi pedir um autógrafo pro Dave e ele dirigiu-se a mim desta forma: “Girl, you rock, thanks for comming”. Diz aí se a sorte estava ou não do meu lado?

E mais um dia se iniciava nessa tour de entrevistas (depois de ter assistido aos shows da noite anterior e ter dormido menos de três horas. O Papa Roach chegou como a banda “exigida” por Axl Rose. Vai saber se rolou isso ou não. O baterista Dave Buckner era um dos mais animados. Entrou filmando a sala de imprensa, tropeçou em um degrau, caiu e levantou feliz da vida. Na mesa, cerveja, água e suco de laranja. E se eu não iniciasse a coletiva parece que ninguém o faria…

No dia seguinte tinha Oasis. Noel Gallagher recebeu a imprensa no Sofitel Rio Palace. “O que é que eu faço agora mesmo?”. Mais simpático do que o esperado, ele agradeceu a caipirinha que ganhou de um jornalista e quando perguntaram por seu irmão, Liam, ele apenas disse: “Deve estar no quarto desenhando nas paredes”. Sobre a música em sua vida, comentou: Em Manchester ou você é músico ou traficante de drogas. Nós escolhemos a primeira opção”, e seguiu: “Somos apenas uns bêbados que escrevem canções”. Na sacada do hotel, ele foi paciente com os fotógrafos, algo que Liam definitivamente não deveria fazer naquela tarde…

Entre um hotel e outro, rolava um bate papo com os colegas e dividíamos o táxi. Equipe da MTV Itália, jornalistas do Brasil, de tantos outros lugares… Num desses dias foi coma fotógrafa Iwi, o John, produtor da equipe do Silverchair, o Mark (que agora não lembro mesmo de onde era) pra seguir do Inter-Continental pro Sofitel. E foi aí que consegui o contato que me levou a uma exclusiva com o Silverchair posteriormente.

E nos corredores encontrávamos todo mundo, de Iron Maiden a Queens of The Stone Age e Sepultura, onde aproveitava para pegar umas “aspas”.

Eles chegaram como quem não quer nada…Dave Matthews Band e ganharam o coração da plateia de jornalistas com simpatia e muito bom humor. Dave ainda elogiou meus cabelos azuis…

Já o Deftones, que vinha com o poderoso White Pony, se cansou das comparações com Limp Bizkit e Korn. A coletiva deles foi remarcada, não pareciam numa vibe muito boa…

A coletiva do Engenheiros, como Humberto, tinha quatro repórteres, o que me permitiu praticamente uma exclusiva, publicada no “Correio”. Ele tinha uma fama de chato, com a qual nunca concordei. Adiantou o  nome do próximo álbum, “Surfando Karmas & DNA”, falou sobre o show do Oasis, a cena musical  no Sul, cabelos e até sobre o All Star vermelho da repórter.

Em contrapartida, a Sheryl Crow deixou a coletiva no meio e bateu boca com jornalista…ficou feio pra ela.

A penúltima coletiva foi do Silverchair. Ben e Chris participaram e todo mundo parecia querer saber onde estava o frontman Daniel Johns. “Descansando a voz”. Confesso que na época achei uma baita de uma desculpa… anos mais tarde, depois de ficar afônica por falta de cuidados com a minha voz enquanto vocalista pedi desculpas ao Daniel do fundo do meu coração. Estranho como naquela altura os músicos eram ainda tratados como se tivessem 15 anos. Uma das falas mais marcantes: “Não sei bem por que, mas preferimos escrever sobre coisas tristes e obscuras, mas talvez o próximo disco tenha letras alegres” (Ben).

E chegou a última coletiva e todo mundo que estava na cobertura estava exausto. E só porque era a última teve um “atraso” de duas horas e meia do Red Hot Chilli Peppers, representados por Anthony Kiedis e John Frusciante que pareciam bem aéreos… não consegui entender metade do que disseram… anos mais tarde, na sua autobiografia, Anthony contou que eram tempos conturbados, eles não deveriam ter vindo. E a ida pra Cidade do Rock, que geralmente demorava uma hora…na van, sem ar condicionado, demorou mais de duas horas. Hoje vejo que aproveitei bem essa primeira cobertura internacional. Dedico à memória da Luciane, que nos deixou muito cedo, em 2012.

SHOWS

Disponibilizarei para vocês, em arquivo PDF, as reportagens publicadas: “Baixista, vocalista e dono dos Engenheiros” (o título não foi ideia minha, coisas do descolado Gino Carneiro, meu editor; “Rock in Rio se transforma numa torre de Babel” e “À espera do próximo Rock in Rio“. Ao reler percebo que em alguns momentos faltou um cuidado na revisão e em outros houve um excesso de opinião, algo que reduzi bastante com o tempo. Também houve trechos com material pouco apurado, mas no geral, até que a cobertura ficou boa para uma estreia. A maior parte do que vocês leram até aqui permanecia inédito, restrito aos meus blocos de anotações, diários e fichas de álbuns.

Circulei pouco entre os palcos por questões óbvias. Deixo aqui pra vocês o meu top 10 do festival.

  1. Tianastácia cantando “Cabrobó” na Tenda Brasil e a bandeira de Minas rolando no meio da galera.
  2. A Diesel, também mineira, abrindo o Palco Mundo no dia 20 e colocando a galera pra pular. Os caras passaram por uma seletiva que reuniu 2 mil bandas na Escalada do Rock. Orgulho de ser mineira nessas horas.
  3. Cássia Eller homenageando o Nirvana cantando “Smells Like Teen Spirit”
  4. Os parabéns para o Dave Grohl no meio do show do Foo Fighters, com direito a bolo entregue por Melissa Auf Der Maur e “invasão da Cássia Eller. Em tempo, Dave assistiu a um pouco do show dela e de Beck da lateral do Palco Mundo.
  5. A contemplação do R.E.M. tocando Losing My Religion.
  6. O show do Silverchair inteiro, que deveria ter encerrado o festival já que o Red Hot ficou muito aquém das expectativas.
  7. Assistir Neil Young & The Crazy Horse é uma aula de rock and roll atemporal.
  8. A leveza do show da Dave Matthews Band.
  9. A “brodagem” dos cariocas.
  10. O Oasis sendo Oasis.

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