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UTI Neonatal

Se você está lendo isso, 2020 não foi um ano perdido

André Mutuberria encontrou cores na escuridão (Luis Soufé/Divulgação)

Quando menino ele enveredava pelo mundo da arte como toda criança, literalmente fazendo arte! E a pessoa vai crescendo. Começa a desenhar e conhece pessoas com quem vale a pena fazer um som. E vem a música na adolescência. Em Uberlândia, André Mutuberria participou de bandas de pop e rock. Você pode até conferir a performance dele aqui com um clássico da banda de Nova Jersey, Bon Jovi. A música é “Always“, uma balada apaixonada que fala de um amor forte, verdadeiro, eterno.

E não é que o André encontrou um amora assim com a Ana Paulla? Já com a música e os desenhos a relação deu uma esfriada nos idos de 2016. Como certa vez me disse Gabriel Thomaz, vocalista e guitarrista da banda Autoramas, “não existe artista mais dependente que o artista independente. Depende de patrocínio, de lei de incentivo…”. Afinal, um bom artista independente é uma artista profissional. E isso custa caro. E o André então decidiu de vez deixar essa vida pra trás. “Chega. Foi o que pensei. Foi um negócio assim nunca mais vou compor, nunca mais vou fazer música. Cortei totalmente essa conexão com a arte e me dediquei ao curso de Odontologia”, conta ele em entrevista ao Uberground na antevéspera de Natal de 2020.

E o cirurgião dentista seguiu sua vida com a Ana. O namoro virou noivado, depois casamento e essa união, seguiu o curso natural e eis que veio um dos momentos mais marcantes da vida de um casal. “Tô grávida”. Ao ouvir isso o André virou pai na hora. “Comecei a fazer muitos planos. Eu e a Ana. Registrando cada fase da gravidez, senti vontade de registrar tudo para nosso filho saber de todos os detalhes da vida dele mesmo antes de chegar do lado de cá”, disse André. Mas a história linda do casal não seguiu como o planejado. Como toda boa obra artística, um drama se fez presente e tudo mudou.

A reconexão com a música e o desenho foi orgânica e natural

Uberlândia, 19 de maio. André Filho nascia com 33 semanas, pesando pouco mais de 1.6 kg. Ana foi diagnosticada com pré-eclâmpsia, uma condição que acarreta riscos na gestação para a mãe e para o bebê, uma das causas da prematuridade. “Eu estava muito nervoso e a Ana também. Ele demorou pra chorar e quando chorou foi um alívio tão grande. Ele estava vivo. Foi levado direto para o oxigênio. Aquele sonho de segurar nosso filho, abraçar, curtir esse momento, acabou se tornando uma luta pela sobrevivência, dele e nossa”, conta André.

Foram 11 dias de internação na UTI neonatal e para piorar a situação, estávamos numa onda crescente de casos de Covid-19 na cidade. O processo de higienização para entrar na UTI neonatal era feita três, quatro vezes por dia. Depois, o casal conheceu o projeto Canguru, que permite às mães de filhos pré-maturos ficarem mais tempo com os bebês. “É a humanização do ambiente de UTI, onde ele ficou por outros 19 dias. Eu comecei a pesquisar tudo sobre prematuridade para ajudar a Ana e nosso filho. Precisava ser forte. Conheci outras mães, outros pais e acompanhava a luta deles naqueles dias tão difíceis”, recorda André.

E foi justamente aí, que aquela conexão com a arte voltou com toda força. “Segundo a Fiocruz, 15 milhões de crianças nascem antes da hora no mundo todos os anos. No Brasil são 340 mil, são seis prematuros a cada 10 minutos. E tudo que eu tinha visto de imagens de UTI neonatal, tudo que eu presenciei era muito forte. Eu decidi, senti quase que como uma obrigação, que deveria fazer algo não só para homenagear o meu filho, mas para todos os pais e mães que passam por essa situação”.

“Anjo”

A música “Anjo” era um presente para o Dia das Mães de Ana. E acabou ganhando outros contornos. Sem nunca ter feito um produto audiovisual, de repente o André já era desenhista, roteirista e transformava em videoclipe a sua música. E foi junto com artistas de Uberlândia, tudo 100% made in Udi. Para gravar a música convidou o baterista Cícerus Cajuzinho, também arranjador e o músico Jaiminho.

“O diretor Luis Soufe foi peça fundamental nesse processo. Transformamos a casa dos meus pais no cenário para a gravação do videoclipe e a equipe dele conseguiu captar toda a positividade que a gente precisava para este momento”.

Videoclipe de “Anjo”, dedicado a todas as crianças prematuras do mundo

André Mutuberria afirma que o dia em que levaram o filho para casa foi o melhor momento desde o nascimento dele. “Por mais que o projeto Canguru tenha ajudado esse aconhego de casa, de lar, não tem igual”.

Depois do videoclipe lançado, ONGs que trabalham com prematuridade mandaram mensagens, compartilharam. E até Alexandre, vocalista da banda Natiruts – que junto com Armandinho, ambos expoentes do reggae nacional – inspirou a música, retornou a uma mensagem de André. “Foi ‘Casa do Sol’, do Armandinho, que me inspirou em ‘Anjo”.

“Eu fiquei tão feliz. E era exatamente isso que eu queria. Deixar uma mensagem que pode ser compartilhada com esses pais, mães e essas crianças que travam uma batalha pela vida tão cedo. Graças ao avanço a medicina a maioria delas volta para casa. Para as famílias daqueles que não voltam, que viram anjos nos braços de Deus, também espero levar algum tipo de conforto. Cada suspiro conta”.

E agora, pai?

Se você está lendo essa reportagem em um ano sem precedentes, em que milhões de pessoas perderam suas vidas por conta da Covid-19 no mundo e no Brasil mais de 189 mil famílias, até no momento em que escrevo esse texto, foram atingidas, o seu 2020 não foi perdido.

Assim como o André Mutuberria, é possível que você tenha conseguido tirar algo bom de um momento ruim. E o cirurgião dentista e professor agora não vai mais desistir da arte, porque a arte não desistiu dele.

“Eu pego o violão e toco, canto para o André dormir, se acalmar, para trazer alegria para a casa. Já estou com material quase pronto para gravar e a música e o desenho, fundamentais para me tornar forte quando eu precisei, estarão sempre comigo e espero poder compartilhar mais coisas boas com o mundo”.

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