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Cia Deborah Colker apresenta "Cura" em Uberlândia - Foto: Leo Aversa

Cia Deborah Colker extrai a beleza do sofrimento

“Dançar pra mim é alegria… é cura… é sabedoria… é expressar. É um instante e é infinito também.”

Bailarinos da Cia Deborah Colker no espetáculo “Cura” (Foto: Leo Aversa)

Silêncio. Theo está contando uma história. O primeiro ato do novo espetáculo de Deborah Colker, “Cura”, teve sua primeira de duas sessões apresentada nesta terça, 1º de junho, no Teatro Municipal de Uberlândia. Com dramaturgia do rabino Nilton Bonder e trilha original de Carlinhos Brown, tem a segunda e última sessão na cidade nesta quinta (2), às 20h.

O Uberground acompanhou a primeira noite, com casa cheia, e um público extremamente respeitoso. Praticamente não houve registro sequer de uma tela de celular. Theo não é visto, mas além de ser ouvido é sentido em todos os momentos.

Ele tem 12 anos, é neto de Deborah e a inspiração para o espetáculo. “Cura” é o sonho da coreógrafa e diretora carioca para a Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença rara causada por uma mutação no DNA que se estima atingir 19 pessoas em um milhão. São três tipos de EB, a de Theo é chamada Epidermólise Bolhosa Distrófica Recessiva. No minidocumentário “Cura” Deborah conta:

“Eu anotei esse nome num papel, e toda vez que eu tinha que falar isso no primeiro mês eu não conseguia decorar esse nome, porque é um nome horroroso”

Em uma entrevista à revista Piauí, Deborah relatou como o nascimento de Theo mudou sua forma de enxergar a vida e também comentou sobre como a nomenclatura da EB é diferente em outros países. “Nos Estados Unidos, a EB é conhecida como butterfly skin, porque a pele da borboleta é frágil. No Chile, é chamada de piel de cristal. São nomes mais bonitos e delicados, porque é a doença da fragilidade”.

Deborah Colker concebeu o projeto em 2017, mas foi no ano seguinte, com a morte do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking (1942-2018), que encontrou o conceito do que queria apresentar.

Hawking tinha uma doença degenerativa, a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e mesmo assim se tornou um dos nomes mais importantes cientistas da história da física. A história da vida dele chegou aos cinemas com “A Teoria de Tudo” (2014), que rendeu a Eddie Redmayne o Oscar de Melhor Ator em 2015.

Trailer de “A Teoria de Tudo”, baseado na vida de Stephen Hawking, um dos personagens que Deborah traz para “Cura”

Deborah percebeu que há outras formas de cura além das que a medicina possibilita. No material de divulgação do espetáculo, explica:

“Quando foi diagnosticado, os médicos deram a Hawking três anos de vida. Ele viveu mais 50, criativos e iluminados. Entendi o que é a cura do que não tem cura”.

Para isso ganhar vida, imprescindíveis foram os trabalhos da figurinista Claudia Kopke e do iluminador Maneco Quinderé.

SERVIÇO

O QUE: Espetáculo “Cura”
QUEM: Cia Deborah Colker
QUANDO: 2 de junho
HORÁRIO: 20h
ONDE: Teatro Municipal de Uberlândia
INGRESSOS: R$120,00 (inteira) e R$60,00 (meia-entrada) à venda na Loja Inclusive Brechó (Av. Cesário Alvim, 396, Centro), no Mega Bilheteria e na bilheteria do teatro
CLASSIFICAÇÃO: Livre
DURAÇÃO: 75min

Espetáculo tem cenografia de Gringo Cardia e trilha original de Carlinhos Brown (Foto: Divulgação)

Entre indignações e lutas

Representação de Obaluaê (Foto: Leo Aversa)

No minidocumentário “Cura”, Deborah comenta que o espetáculo surgiu entre indignações e lutas. A obra traz cinco personagens: Theo,  o orixá Obaluaê, Stephen Hawking, Jesus Cristo e o cantor e compositor Leonard Cohen (1934-2016). O público é apresentado a eles em momentos diferentes que vão se convergindo ao longo da apresentação.

A trilha sonora é de Carlinhos Brown, com quem houve uma sinergia desde o início das conversas. Da mesma forma ocorreu com Gringo Cardia, responsável pela cenografia, e com o rabino Nilton Bonder. Deborah Resume:

“Cura parte de uma situação pessoal. Mas não é uma história pessoal”.

Com patrocínio da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura,  a turnê brasileira de “Cura” já foi assistida por mais de 50 mil pessoas. A  estreia era prevista para acontecer em Londres, em 2020, o que foi impossibilitado pela pandemia. Com o adiamento, veio mais um ano para pesquisas, transformações e reflexões.

“A pandemia me fez ter certeza de que não era apenas da doença física que eu queria falar. A cura que eu quero não se dá com vacina”.

Para quem assiste, Deborah conseguiu extrair beleza do sofrimento. “Você ter a doença e ter a cura. Como se elas fossem uma ligada à outra. A fragilidade dentro da força. É uma história da cura e da doença e de rejeição e adoção”.

E tem brilho, tem luz no espetáculo que como todo trabalho da coreógrafa traz bailarinos e bailarinas incríveis que conseguem até mesmo, como comenta Deborah, dançar a paralisia. Deborah fez questão de preservar a a alegria necessária à vida e encontrou isso em uma viagem a Moçambique, que enriqueceu ainda mais o espetáculo.

Parcerias

No mesmo espaço em que diferentes religiões são retratadas, a ciência tem um espaço especial, também belamente representado na cenografia de Cardia. Ele e Brown conseguiram dar ao espetáculo exatamente o que Deborah vislumbrava. “A ponte entre fé e ciência me ajudou muito. Fui experimentar o invisível, a sabedoria do invisível.”.

Cardia foi o responsável pela forma como Theo conta a história entrar mais completa, no documentário, Deborah comenta que até queria cortar, resumir a história, mas o cenógrafo viu algo muito especial ali.

A voz de Leonard Cohen é inconfundível.  É dele a música “You want it darker”, música lançada em álbum homônimo de 2016, que dialoga perfeitamente com um dos atos de “Cura”.

Deborah Colker também leva para o espetáculo a voz de Leonard Cohen

Bonder, a quem Deborah conheceu em outro momento difícil, quando perdeu o pai, no material divulgado para a imprensa comenta:

O espetáculo apresenta todos os recursos imunitários e humanitários em aliança pela cura. A ciência, a fé, a solidariedade e a ancestralidade são o coquetel de cura do que não tem cura. Concebido antes desta pandemia, o título não é um ‘conceito’, mas um grito”.

Nilton Bonder

“O espetáculo apresenta todos os recursos imunitários e humanitários em aliança pela cura. A ciência, a fé, a solidariedade e a ancestralidade são o coquetel de cura do que não tem cura. Concebido antes desta pandemia, o título não é um ‘conceito’, mas um grito”.

Brown, que a princípio faria apenas o tema de Obaluê, mergulhou nesse sonho junto com eles e acabou fazendo a trilha toda.  Ele cantou em português, ioruba e até em aramaico. E os 14 bailarinos também cantam, em hebraico e em línguas africanas, algo que acontece pela primeira vez nos 29 anos de história da companhia.

Após a primeira sessão em Uberlândia, os bailarinos se encaminhavam para o ônibus celebrados por quem se recusava a ir embora e ficou nos arredores do teatro conversando, ruminando, tentando internalizar o que acabou de assistir. Deborah deve ter ficado feliz. Confira o convite dela para o público uberlandense.

Deborah Colker convida público para prestigiar “Cura” no Teatro Municipal de Uberlândia (Divulgação)

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