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Álvaro Júnior, apresentador da Sala dos Espelhos por mais de 30 anos, morre em Uberlândia

Toco o que quero, faço o que quero. Se falar ou fizer alguma besteira eu arco com as consequências

Álvaro Júnior, agosto de 2018
Álvaro Júnior durante entrevista para o jornal Diário de Uberlândia, em Agosto de 2018 (Celso Ribeiro)

Universitária FM, 107.5. Sábado, das 18h às 20h, esse era o ponto de encontro dos ouvintes com o melhor do rock no programa “Sala dos Espelhos”, que em 7 de setembro deste ano chegaria aos 32 anos. Chegaria porque seu apresentador e idealizador, Álvaro Júnior, morreu hoje, em Uberlândia, aos 66 anos, deixando além da esposa, Conceição, a filha Letícia, e o filho Arthur, muitas pessoas que por meio do seu programa tiveram o primeiro contato com clássicos do rock nacional e mundial, até quando se permitiu, rodando em vinil ainda.

Álvaro fazia o Sala dos Espelhos motivado pela paixão, pelo rock and roll, nunca pensou que faria fortuna com ele. Economista e pesquisador do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), havia se aposentado há pouco tempo. No último programa, despediu-se assim:

Eu também quero agradecer a vocês e ao Cris, visto que era algo totalmente sem interesse financeiro, sem nada, não existia…era simplesmente a divulgação da Sala dos Espelhos

Álvaro Júnior, Sala dos Espelhos, maio de 2022

O Cris, a quem ele se refere nesta fala, é Cristiano Vieira, quem, ao longo de 18 anos, marcava presença no programa, do qual se afastou um pouco em 2018. “Houve um período que eu estava bravo com o descaso e a falta de cuidado que diretores tinham com a Rádio e afetava diretamente o ‘Sala dos Espelhos’, porque o programa era feito ao vivo e aos sábados. A rádio não tem expediente administrativo neste dia, chutei o balde e fiquei longe um ano e meio. Foi quando recebi uma ligação do Álvaro me chamando de volta dizendo que fez uma programação especial para o dia do meu aniversário, 8 de dezembro, e queria que eu estivesse ao lado dele ao vivo no estúdio 1S, fui e foi demais”, recorda o amigo.

Álvaro e CV, uma amizade que ia além do estúdio (Foto: Arquivo Pessoal Cristiano Vieira)

A partir de 2010, por sugestão de Álvaro, Cris um bloco para o programa, por conta da descoberta de bandas obscuras, basicamente alemãs, de 70 baixo, como Álvaro gostava de falar quando se referia aos primeiros anos da década de 1970. “Eu estava descobrindo minha paixão pelo órgão Hammond, criei a Caixa Vitaminda para tocar bandas de um disco só, de 70 baixo, alemãs e que tinham na formação original um organista, deu certo. A gente chegava em Israel com esse Rock’N’Roll!Nunca recebi nem um centavo, nem o Álvaro recebia, ele fazia por amor e aprendi com ele que tudo que é feito como hobby ou com amor dura muito mais do que a gente pode programar”.

De amigo a co-apresentador, Álvaro permitia a Cris, sempre que seu aniversário caísse em um sábado, produzisse e apresentasse sozinho, virou o Sala Vitaminada. “Fora disso fiz dois ou três programas sozinho ou com brothers e sisters para segurar as pontas em uma viagem de mestre. E até hoje não conheço programa nenhum como o ‘Sala dos Espelhos'”, disse Cristiano.

Nessa de encurtar nomes, Álvaro virou o Alman, “Muitos o chamam de Al e como somos do rock falei sem querer Al…man Brother. Coisas da Sala… outra fala clássica dele para os causos que aconteciam no estúdio. São muitas histórias nestes 18 anos que continuarão vindo à minha mente sempre que chegar o crepúsculo do sábado. Vou sentir muito a falta do Alman Brother”.

O último adeus a Álvaro Júnior será nesta quarta (11), no velório que acontece das 7h30 às 17h na sala Esmeralda da Funerária Paz Universal (Rua Curitiba, 575, bairro Brasil).

EM 2018…

Reproduzirei abaixo a última entrevista que fiz com Álvaro Júnior. Foi em Agosto de 2018, para o Especial Uberlândia 130 anos do jornal Diário de Uberlândia, onde na época eu trabalhava como repórter e editora. No final, tem dica do Mestre para boas bandas de rock contemporâneas. Obrigada, Álvaro, por tudo que fez e deixa para a nossa UdiRock!

Álvaro Júnior recebeu a reportagem em casa (Celso Ribeiro)

As tranformações em quase três décadas de “Sala dos Espelhos”*

Tarde de sexta-feira quente no Morada da Colina. Paramos em frente à casa que constava no endereço. Antes de tocar o interfone o primeiro som que ouvimos foi um latido. Era a Pantera. “Ela fica assim só quando as pessoas chegam, logo já está calminha de novo. Mesmo assim é melhor esperar eu prendê-la antes de entrarem”, falou o dono da casa, Álvaro Júnior, que vive ali com Pantera, a esposa Conceição, um casal de filhos, Arthur e Letícia, e milhares de discos de vinil. “Tenho algo em torno de 2 mil discos. Separei uns 800 e doarei para um primo em breve”, contou.

Economista e pesquisador do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) é aos sábados há 27 anos, que ele realiza um outro trabalho, que também é um prazer. Álvaro é produtor e apresentador do programa “Sala dos Espelhos”, que há quase três décadas vai ao ar pelo 107.5 FM – Rádio Universitária de Uberlândia.

Sua história acompanha as mudanças da rádio. No início do programa, levava os vinis de casa. Alguns anos mais tarde, chegaram os Compact Discs (CDs) e Mini-Discs (MDs). O volume de material transportado aos poucos foi diminuindo, mas manteve a qualidade. “Não foi tão traumática a transição. Olhei pelo lado bom. Nem todo operador era zeloso o bastante para lidar com o vinil e com o CD isso melhorou. Lembro do Benício Diniz me dizer: ‘Álvaro, toda vez que você falar tem que ter um BG’ (música de fundo). Daí ele pegava o CD e esfregava na camisa, que agonia! Ele usava camisa com botão ainda por cima. Um dos nossos colegas deu um colete de lã para ele e disse: ‘quando você for operar use este colete e limpe no ombro’”, recorda ele, que tem 63 anos.

Não foi tão traumática a transição. Olhei pelo lado bom. Nem todo operador era zeloso o bastante para lidar com o vinil e com o CD isso melhorou

Depois Álvaro trabalhou muito tempo com o MD. A repórter se recorda de que o único registro seu no comando de um programa de rádio está nessa mídia. “Dá um jeito de passar logo para outro formato ou daqui uns dias não consegue mais”, aconselhou Álvaro.

Ele se recorda de quando a Rádio e TV Universitária adquiriu um equipamento que era um sonho de consumo da equipe: ele fazia transferência digital. “Foi caro pra caramba e veio junto com a aparelhagem da TV. Hoje em dia só tem pendrive no estúdio. Você pode levar alguma coisa em CD, tem um toca-discos lá também que pode ser usado quando é inevitável e tem um DVD player que se precisar usamos também”, conta.

Com a automação cada vez mais presente, Álvaro explica que a figura do operador de rádio está desaparecendo. Hoje ele faz seu programa sozinho, após uma longa temporada com a colaboração de Cristiano Vieira (de quem Álvaro afirma sentir muita falta). Em contrapartida, o alcance da rádio aumentou com a digitalização e com a internet. “Hoje podemos ser ouvidos pela internet em qualquer lugar do mundo”, reforça. Em breve, a Universitária terá programação local em Ituiutaba e Monte Carmelo, porém, gerada em Uberlândia.

No celular – entre uma foto e outra de Pantera durante a gravidez psicológica – ele mostra como está o estúdio atualmente e fala de um programa, o InfoAudio, capaz de tocar programações de quatro rádios simultaneamente por duas semanas sem ninguém precisar colocar a mão. “Ele é um programa fácil de lidar, mas muito selvagem. Já levei muita surra dele. Cheguei lá e estava funcionando e tive que aprender com ele no ar”, recorda.

SINAL DOS TEMPOS

A mesa redonda do estúdio onde muitas entrevistas eram realizadas nem está mais lá. “Aquela possibilidade de receber como a gente fazia acabou, não existe mais”, fala ele, sem saudosismo. Álvaro usa o InfoAudio no modo manual. Leva sempre cerca de 70% de sua discografia em pendrive ou HD externo. Dedica às sextas-feiras para a escolha da playlist e acredite: às vezes ainda chega um pedido ou outro que ele não tem. Se antes havia mais interatividade pelo telefone ou até pessoalmente, hoje as redes sociais, principalmente o Facebook, possibilitam essa aproximação do ouvinte com o apresentador.

Questionado sobre o que o motiva a manter o programa no ar, ele afirma que não sabe o que responder. Sequer pensa nisso. Nos discos que manuseia durante a reportagem, muitos têm a embalagem com o nome da Discolândia, saudosa loja de discos da cidade. “Eu ia na Discolândia três vezes por semana. Demorei muito tempo para perceber que as coisas tinham mudado. Na última vez que estive lá estavam vendendo sapato. Eu não aguentei aquilo e nunca mais voltei”, lamentou.

Outro lugar que Álvaro riscou da lista foi a Galeria do Rock de São Paulo. “Salvo a Baratos Afins, do Luiz Calanca, não tem mais nada que vale a pena. Tá tudo muito arrumadinho, cheio de pai passeando com filho com uma camiseta de banda que acabou de comprar. A Galeria do Rock que eu gostava não era aquela. Ia lá pra tomar um café com o Calanca e ele dizia coisas sobre lançar os Mutantes, por exemplo, e o fez”.

Em Uberlândia, Álvaro percebeu que as coisas melhoraram para o roqueiro. “Tem banda de rock, tem eventos de rock, de jazz de blues graças a pessoas que trabalham por isso mesmo que com toda essa força do sertanejo e do funk. Se você quiser sair no final de semana e escutar rock em Uberlândia você tem onde ir”, afirmou.

A ESTREIA

Tem banda de rock, tem eventos de rock, de jazz de blues graças a pessoas que trabalham por isso mesmo que com toda essa força do sertanejo e do funk. Se você quiser sair no final de semana e escutar rock em Uberlândia você tem onde ir

No próximo dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, o “Sala dos Espelhos” completa 28 anos. Mas a data não tem conotação política, foi puro acaso. Álvaro Júnior lembra que além do programa dele os mais antigos da rádio são o “Roda de Samba”, apresentado por Victor Hugo e o “Trocando em Miúdos”, de Márcio Alvarenga. “Mas eles às vezes gravam, o meu só entra ao vivo”.

Álvaro afirma que hoje está mais tolerante quanto a alguns estilos que tocam na rádio. Porém, no seu programa não aceita intervalos comerciais e faz o que quer fazer e não lhe é cobrada audiência. “Toco o que quero, faço o que quero e isso é muito legal. Se falar ou fizer alguma besteira eu arco com as consequências. Aliás, um primo da Polícia Federal disse que eles gravam meu programa até hoje. Não estou no ar para chocar ninguém. Acredito que o programa ‘Escombro’, que ficou no ar na emissora por algum tempo, saiu por algo bobo nesse sentido”, relata.

Na sala onde seleciona a playlist do programa, Álvaro tem em torno de 300 vinis e outras centenas de CDs. “Tudo que você vê aqui eu escuto pelo menos duas vezes por semana. Teve um tempo em que cheguei a ser um consumidor compulsivo. Comprava discos que não ouviria mais de uma vez. Parecia doença. Hoje não faço mais isso”, contou ele que trabalha no rádio desde 1984 e antes disso produzia eventos e também fez sonoplastia para o teatro.

Durante muitos anos, os ouvintes de Álvaro lhe faziam companhia no estúdio da rádio. “Já chegamos a ter 40 pessoas lá com um monte de vinis. Nessa época a programação muitas vezes mudava na hora, um pegava um disco, outro indicava mais um, e por ai rolava o programa. Nunca tivemos nenhum incidente, por mais que a fama de roqueiro sempre fosse a pior”, lembrou.

Engana-se quem pensa que Álvaro só escuta rock antigo, clássicos de Queen, Mogwai, Led Zeppelin… Seu programa está atendo ao melhor do rock produzido pelo mundo e graças à internet ele recebe dicas valiosas, as mais recentes vieram da Suécia.

A reportagem se despede ao som de Indigenous. “É uma banda muito interessante. Eles têm um estilo meio parecido com Steve Ray Vaughan e são índios Nakota, vale muito a pena conhecer. Tem muita banda de rock boa que surgiu depois do ano 2000. Gosto de fazer o programa bem temperado porque a audiência gosta”, indica.

Rock é o estilo de vida que Álvaro adotou e muita gente está com ele nessa. “Temos uma sensação de pertencimento a alguma coisa, isso não acontece com outro estilo. A banda, o show é entretenimento e as pessoas se reúnem ao redor daquilo e acaba virando uma família”, afirma.

Vida longa à “Sala dos Espelhos”, vida longa ao rock and roll!

DICAS DO ÁLVARO – Rock Contemporâneo

Black Stone Cherry (EUA, 2001)

Duel (EUA, 2015)

Gin Lady (SUE, 2011)

Indigenous (EUA, 1998)

Langfinger (SUE, 2008)

Rival Sons (EUA, 2009)

The Answer (IRL, 2000)

The Company Band (EUA, 2006)

The Dead Daisies (AUS/EUA, 2013)

Witchcraft (SUE, 2000)

*Reportagem publicada originalmente no Especial Uberlândia 130 anos, do jornal Diário de Uberlândia, em Agosto de 2018

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