Carlos Segundo leva ficção para Cannes e Uberlândia pode se sentir representada
Acontece, de 6 a 17 de julho, na França, a 74ª edição do Festival do Cannes, um dos mais prestigiados do mundo. Neste ano, na categoria curta-metragem, foram 3.739 inscritos. Vinte deles entraram na short list divulgada no dia 4 de junho. Dez estão na seleção final. Entre eles, “Sideral”, do diretor Carlos Segundo. Nascido em São Paulo, ele viveu em Uberlândia desde os 8 anos de idade, por isso, a cidade pode se sentir representada também. Por aqui, fez amigos e uma carreira. De 2012 para 2013 voltou para São Paulo para fazer doutorado e desde 2017 vive em Natal (RN), onde segue no ofício de fazer cinema e compartilhar seu conhecimento, como professor universitário na UFRN.
Quem conhece o trabalho de Carlos Segundo, e a batalha de todos que fazem cinema no Brasil, sabem que chegar a Cannes é parte de um processo árduo, longo, de muitas incertezas, e Segundo e a equipe celebram essa seleção. E para estar em Cannes, eles tiveram que abrir mão de outro grande festival, o de Locarno, na Suíça. Por essas e por outras, devemos considerar “Sideral”, como um forte concorrente à Palma de Ouro.
“A seleção de Cannes é um pouco diferenciada de outros grandes festivais. Assim como Locarno e Berlim a short list, onde diz se você passou de fase e figurar nela já é uma vitória. No dia 4 de junho fomos informados que entramos na seleção de Locarno, para fazer a estreia mundial lá”, contou Segundo.
Na tarde do mesmo dia o telefone voltou a tocar. Do outro lado da linha, falava a curadora do 74º Festival de Cannes. “Seu filme foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro”.
“Ouvir isso foi incrível, ainda é incrível e tá sendo mágico. Optamos por Cannes porque pra nós é a maior mostra de cinema do mundo, tem uma grande relevância no mercado todo”, contou ele, que chegou ontem (30), em Paris, onde cumpre quarentena.
Além de “Sideral”, outro curta brasileiro concorre na categoria Curta-metragem em Cannes, “Céu de Agosto”, (Jasmin Tennucci), uma produção Brasil/Islândia. Os outros concorrentes são da Dinamarca, China, França, Hong Kong, Iran, Portugal e pela primeira vez na Seleção Oficial, representantes de Kosovo e Macedônia.
O júri da categoria neste no é composto por Kaouther Ben Hania (Tunisia), Tuva Novotny (Suécia), Alice Winocour (França), Sameh Alaa (Egito), Carlos Muguiro (Espanha) e Nicolas Pariser (França).
Zeramos o jogo
“SIDERAL”
O curta-metragem “Sideral” é uma ficção em torno do histórico dia do lançamento do primeiro foguete tripulado brasileiro na base aérea de Natal, o que afeta a vida de Marcela, Marcos e seus dois filhos. O diretor Carlos segundo conta que o filme passeia de forma sutil por diferentes temas, podendo ainda ser considerada uma obra tragicômica. O filme transita entre os campos poético e realista, conseguindo com isso convergir elementos técnicos e estéticos de uma forma muito singular. E muito dessa singularidade só foi possível pelo fato de a obra ter sido realizada no Rio Grande do Norte.
Filmado nas cidades de Natal, Ceará-Mirim e Parnamirim, “Sideral” é uma coprodução internacional entre a produtora uberlandense O Sopro do Tempo, a produtora potiguar Casa da Praia e francesa Les Valseurs.
Para Cristiano Barbosa, sócio de Segundo na produtora uberlandense, essa seleção de Cannes não é obra do acaso, mas de um longo e intenso processo de aposta e experimentação no cinema autoral e independente da produtora. Barbosa reforça que não é fácil fazer esse tipo de cinema no Brasil, requer muita determinação e persistência e “Sideral” veio coroar uma trajetória de mais de 10 anos de luta.
“Tem muita coisa acontecendo apesar de toda essa loucura que a gente tá vivendo. Tudo isso é um resquício de um movimento antigo. Esperamos que esse movimento continue porque o que vem acontecendo com as políticas públicas federais é assustador. A gente torce para que seja urgentemente percebido o rombo, a destruição que está sendo feita no setor cultural porque isso vai ecoar nos próximos anos”, disse Carlos Segundo.
FICHA TÉCNICA
Curta: “Sideral”
Ano: 2021
Gênero: ficção (drama)
Duração: 15 minutos
País: Brasil/França
Elenco: Priscilla Vilela, Enio Cavalcante, Fernanda Cunha, Matheus Brito, George Holanda, Matteus Cardoso e Robson Medeiros | Direção e Roteiro: Carlos Segundo | Produção: Mariana Hardi, Pedro Fiuza, Damien Megherbi e Justin Pechberty | Produção Executiva – Brasil: Mariana Hardi | Direção de Fotografia: Carlos Segundo e Julio Schwantz | Direção de Arte: Ana Paola Ottoni | Figurino: Rosângela Dantas | Montagem: Carlos Segundo e Jérôme Bréau | Direção de Produção: Mariana Hardi
Tudo começou em Uberlândia
Carlos Segundo é doutor em Cinema pela Unicamp e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O diretor, roteirista e montador já dirigiu, entre outros trabalhos, os curtas “Ainda Sangro por Dentro” (2016), “Balança Brasil” (2017), “Subcutâneo” (2018) e “De vez em quando eu ardo” (2020). Tem um longa-metragem, o seu primeiro, prontinho para estrear lá na França nos próximos dias, “Fendas” (2019), já exibido no FID Marseille.
Para muitos dos amigos que tem em Uberlândia, sempre será o Tche. “No início da cheguei a assinar alguns trabalhos como Carlos Tche, mas foi por pouco tempo. Um amigo e ex-sócio, Edinardo Lucas, comentou: ‘você tem um nome tão bonito, por que não usa’? E com esse incentivo, vindo de fora, passei a assinar Carlos Segundo e no fim, Tche ficou mesmo como um apelido pessoal, bem de Minas mesmo”, contou.
Apesar de estar em Natal agora, ele nunca cortou a conexão com Uberlândia. Estou sempre trabalhando na cidade onde, pra mim, tudo começou”, disse Segundo, em entrevista ao Uberground, poucos dias antes de embarcar para a França.
Com a Sopro do Tempo ele produziu, junto com Cristiano Barbosa, o documentário “Circular”, que está em fase de finalização e retrata a Igreja Espírito Santo do Cerrado, de Uberlândia, única obra da arquiteta italiana Lina Bo Bardi construída no interior do país. O documentário deve estrear no primeiro semestre do próximo ano e foi viabilizado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura (PMIC).
INTERNACIONAL
“Sideral” foi realizado com recursos privados e públicos, sendo parte da produção financiada pela Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte e pelo Centre National du Cinéma (CNC) et de l’Image Animée da França, via Les Valseurs.
A parceria com a produtora francesa começou com “Fendas” e seguiu com “De vez em quando eu ardo”. O CNC viabilizou a distribuição do longa “Fendas” no circuito internacional. Uma das sessões de pré-estreia será em Paris, na sequência de Cannes e contará com a presença de Carlos Segundo.
“A Já a Les Valseurs entrou como parceira, sócia do projeto e foi responsável por busca buscar o investimento via editais públicos franceses para trabalhar essa co-produção internacional. Assim como nos dois trabalhos anteriores, foi o processo, fizemos um primeiro corte aqui, enviamos pra lá, eles gostaram e partiram para toda a parte de finalização de imagem, som e distribuição do filme. Entram num momento muito importante porque finalização está cada vez mais cara por conta de todas as tecnologias. Eles também têm um grande know how na distribuição”, comentou Segundo.
Aos poucos, a rotina no mundo vai voltando ao normal. Cannes é o primeiro grande festival internacional na França que acontecerá presencialmente pós impacto da Covid-19 e “Fendas” já tem exibição marcada por lá. Aqui no Brasil, Segundo quer que o longa também chegue aos cinemas. “Estou feliz por participar da pré-estreia e ter o filme distribuído comercialmente num dos países mais importantes do cinema mundial. No Brasil vamos tentar segurar até outubro. Se não tiver segurança par fazer o lançamento na sala de cinema a gente entra em alguma plataforma, mas não passa de novembro”.
DEPOIS DE CANNES
Carlos Segundo nem chegou ao tapete vermelho em Cannes e a repórter já quer saber do… Oscar! O diretor ri e novamente fala da importância da sequência de um trabalho que vem se consolidando há tanto tempo. “A gente brinca que é como zerar o jogo, chegamos em Cannes, chegar e Cannes é chegar no topo dos festivais”, comentou.
Segundo contou que chegou a conversar com os produtores franceses sobre o Oscar porque “Sideral” tem uma característica muito interessante, o lançamento do primeiro foguete tripulado brasileiro. “Tem umas imagens de arquivo do lançamento do foguete norte-americano. O caminho é entrar em festivais que têm o que chamamos de chancela, que tem o selo do Oscar. Se não me engano são três, claro, Cannes é um. Se conseguirmos, enviaremos sim para o Oscar. A gente pode sonhar. É uma longa jornada e agora a gente quer celebrar Cannes”.
E agora é pensarem nos longa-metragens e quem sabe, produções que agradem ao circuito comercial. “É um caminho natural. Imagino que se a gente voltar com um longa o próprio festival vai olhar de forma diferente. Chegamos em Cannes e isso significa algo grande. Tenho muitos projetos porque quem trabalha com cinema sabe a dificuldade não pode ficar limitado a uma coisa só. E eles estão em várias instâncias”, disse o diretor.
Segundo afirmou que já tem dois roteiros de longa, um está com os produtores franceses que devemos trabalhar em breve e um com uma produtora brasileira, e ele espera logo estar filmando alguma coisa maior, no sentido comercial. Além da finalização de “Circular”, logo Uberlândia entra no radar de novo. “Temos uma série de ficção aprovada no edital de TVs Públicas da Ancine há dois anos e recentemente recebemos o dinheiro. Estamos esperando passar a pandemia pra começar a filmar, talvez comecemos em março de 2022 e filmaremos em Uberlândia e região. São 10 episódios de 26 minutos”.
Toda arte é uma aposta
E aproveitando esse movimento de Cannes que aumenta e fortalece a confiança, Carlos Segundo vai aproveitar os dias por lá para mostrar porquê podem apostar e confiar nos seus trabalhos, quer deixar a sua marca e nada melhor que o corpo a corpo em uma das maiores premiações do cinema mundial. “Toda arte é uma aposta e a gente só vê o resultado na tela. Estar em Cannes é estar na vitrine do mundo, qualquer estimativa é uma especulação, de qualquer forma, temos uma grande oportunidade de dar esse passo à frente. Estar lá, conversar com outras pessoas é muito importante. O modo como você fala, como você se projeta pode definir muitas coisas. Posso dizer que já ganhei um prêmio que é estar lá pra ver ‘Sideral’ ser projetado e acompanhar a cerimônia de premiação. Vai ser mágico”, finalizou o diretor que, sim, está ansioso pelo grande dia!