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Mito 8

Grupo Mito 8 de Teatro avalia sua imersão online

Samuel Giacomelli, diretor e dramaturgo do grupo uberlandense de teatro Mito 8 (Divulgação)

Quando a quarentena teve início o grupo de teatro Mito 8 estava com seu espetáculo “Que o teto caia” praticamente pronto para ser encenado na sede do Grupontapé de Teatro e possivelmente no Ponto dos Truões. “Faltava muito pouco para a estreia. A princípio não imaginávamos estrear o espetáculo via internet”, recorda Samuel Giacomelli, que assina direção e dramaturgia do espetáculo junto com Getúlio Góis de Araújo.

Porém, em um dos encontros do grupo via plataforma Zoom, por onde mantiveram contato e mantinham uma rotina de ensaios, o grupo decidiu encarar o desafio da encenação online. “Sabíamos que seria um novo processo de criação. Todo o material levantado até então nos serviria de base, mas seria totalmente modificado e formatado a partir dos recursos e limitações desse novo meio”, conta Samuel.

A partir daí, cada ator repensou suas cenas para a estética virtual. Samuel explica que foi essencial para o trabalho dos atores descobrir como se relacionar com a lente da câmera, pelo olhar que busca o outro que está do lado de lá da tela.

Era quase como dirigir um filme em tempo real

Samuel Giacomelli

“Para a direção, talvez o maior desafio tenha sido o fato de não termos noção de como era o espaço de atuação dos atores, os recursos que teriam à mão, quais as possibilidades de movimentação por esses espaços tão diferentes entre si. A solução esteve em provocá-los a experimentar, e nossas escolhas eram pautadas nas imagens que assistíamos pela tela, cada um em seu quadradinho, era quase como dirigir um filme em tempo real”, explicou Samuel.

SINOPSE & REVIEW

Cena de “Que o teto caia”, do Grupo Mito 8 de Teatro

“Que o teto caia” estreou em agosto, com sessões nos dias 13, 14, 20 e 21, via plataforma Zoom e trouxe fragmentos biográficos dos artistas em cena foram os estímulos iniciais para se construir uma dramaturgia não linear, sempre buscando responder à pergunta: “Como eu vim parar aqui?” Questão que surge a partir do sentimento de frustração causado pelo desmonte das políticas públicas em 2019: a Extinção do Ministério da Cultura (MinC), fim do patrocínio da Petrobrás para o teatro e cinema, Lei Roaunet aos farrapos… O artista sempre esteve nessa crise? Sempre foi assim? O que fazemos quando nos sentimos perdidos? A quem interessa a luta do artista? Revisitar o percurso difuso dos encontros com a cena teatral, com o outro e com o espectador, onde as histórias de vida foram o trampolim para discutir a diversidade de questões que cada um carrega no corpo, criando assim, metáforas entre vida, arte e política que se faz urgente para seguir adiante.

Não tem trânsito ou fila pra entrar, mas tem horário pra começar. A experiência de assistir a uma peça de teatro virtualmente é melhor aproveitada se você seguir algumas regras básicas, como chegar pelo menos 10 minutos antes do espetáculo, principalmente se não tem familiaridade com a plataforma de transmissão. Uma vez na sala, fique atento aos sons da campainha e siga as instruções.

“Que o teto caia” contou com momentos de interação com os espectadores que ajudaram a direcionar algumas cenas. A temática, voltada para o sucateamento da cultura, de certa forma, interessa a todos e o modo como foi apresentada prendeu a atenção de quem assistia de casa.

O cenário que enfrentamos com a pandemia refletiram em duas estreias online (confira aqui a matéria sobre “Um grito ao vivo”) que a jornalista assistiu a partir de Uberlândia. Houve uma preocupação quanto a alguns momentos em que as produções pareciam muito voltadas para o setor artístico. Será que o espectador não sentiria falta de outras temáticas?

Samuel Giacomelli acredita que o desafio de estimular o interesse dos expectadores, e todas as questões possíveis referentes à formação de público, vai além do período de afastamento social, é uma questão que tem sido problematizada há tempos.

“Nesse momento estamos mais apartados do grande público como um todo, e as pessoas estão saturadas de lives, shows pela internet… o que dificulta o alcance de um público que já não seja próximo, que não conheça o trabalho do grupo ou dos artistas envolvidos no projeto. Mas sinto que nossas expectativas em relação a isso foram superadas”, explicou.

Samuel comentou que cada sessão teve uma média de 50 pessoas, a maioria da área, mas haviam espectadores que se aproximaram por curiosidade, que levaram amigos e familiares que aproveitaram bem a experiência. Outro ponto positivo foi o alcance fora da cidade, com espectadores de outras regiões e até de outros países como Itália, Uruguai e Argentina.

“Interessante pensar que o nosso trabalho fala sobre essa questão dentro da própria cena. Não por menos levamos ao palco as dificuldades que os artistas encontram durante sua jornada rumo à criação artística. Isso porque sentimos a necessidade de apresentar ao público as nossas questões, e com isso tê-los mais próximos da gente. A escolha de manter a interação e dar ao público a possibilidade de escolher o que quer ver é um desses recursos que buscam o diálogo mais próximo. Afinal o teatro só pode existir enquanto houver público presente e vivo, afetando e sendo afetado. É dessa troca que nasce o teatro”.

Getúlio Góis ressalta que foram justamente assistir o desmonte da cultura no Brasil e acreditar que é dever do público, para além do prazer estético, compreender as questões que envolvem a produção artística. “Todos querem rir, todos querem se emocionar… mas estamos falando de grupos de teatro do interior, que passam por dificuldades que deveriam ter sido superadas. Uma estante em uma livraria, possui livros de todos os tipos, para todos os públicos. O teatro não é diferente. Nossa produção local é diversa e atende diversos públicos. É de se pensar que as duas produções citadas estejam falando das dificuldades dos artistas, talvez cansados de assistir nos últimos anos tantos ataques à trabalhos artísticos e a profissão”.

AS INSTABILIDADES

Getúlio Góis, diretor e dramaturgo

Para o diretor Getúlio Góis, o mais complexo na apresentação virtual de “Que o teto caia” foi lidar com as oscilações da rede de internet e com as diferentes condições de aparelhos eletrônicos do elenco e que cada um, em prol do trabalho, usou.

Tivemos que driblar as deficiências técnicas e fazer delas expressividade

Getúlio Góis

“Em uma montagem com financiamento grande, cada ator teria um kit tecnológico para montar em sua casa um estúdio. Tivemos que driblar as deficiências técnicas e fazer delas expressividade. Parece louvável e criativo e é! Mas seria mais tranquilo e digno se os fomentos à cultura em nosso país fossem o suficiente para que tivéssemos uma grande equipe e não fosse necessário nos desdobrar em outras funções”, disse Getúlio.

Apesar dessas dificuldades, o trabalho cênico em contato com o público foi revigorante para o grupo, que teve uma devolutiva de afeto e reconhecimento. “O saldo positivo é continuar trabalhando com cultura, em meio a este momento de pandemia! Os ensaios e apresentações me ajudaram a manter o foco em algo para além do que está acontecendo e enche a todos de temor”.

Há possibilidade de que o Grupo Mito 8 de Teatro volta a fazer alguma performance virtual, mas eles querem mesmo é poder voltar aos palcos com uma produção que sofrerá a influência de todo o processo que viveram com o teatro online. Para o Mito 8, no entanto, seja no palco ou pela tela do computador o que acontece no mundo reflete em todas as suas ações e escolhas dramatúrgicas.

FICHA TÉCNICA

Espetáculo: Que o teto caia | GRUPO: Mito 8 | Elenco: Leandro Alves, Renata Paixão, Roberta Liz e Rose Martins | Direção e dramaturgia: Getúlio Gois e Samuel Giacomelli | Iluminação e operação de som: Tamara dos Anjos | Identidade Visual e Designer Gráfico: Rafael Michalichem | Adereços: Tayná Mendonça | Produção: Rose Martins

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