“Valentina” tem um papel além do entretenimento
Quase 80% dos estudantes trans saem das escolas antes de terminar o ensino médio. Essa informação mexeu com a cabeça do mineiro Cássio Pereira dos Santos. Produtor e diretor já com algumas produções de curtas-metragens na bagagem. Ele viu aí um assunto sobre o qual gostaria de falar. Em Uberlândia, começou a conversar com a irmã, Érika Pereira dos Santos sobre um roteiro e em agosto de 2020, saiu o resultado dessa conversa.
O longa “Valentina” estreou no principal festival de cinema LGBTQ dos Estados Unidos, o Outfest Los Angeles, em 1º de agosto. Por conta da pandemia, as mostras neste ano acontecem de forma online e “Valentina” foi exibida ainda no Festival de Cinema de Varsóvia, Polônia, e no Brasil estreou na 44ª Mostra Internacional de São Paulo e também foi selecionado para o 28º Festival Mix Brasil.
No Mix Brasil, o filme recebeu 4 prêmios: Melhor Interpretação para a atriz Thiessa Woinbackk; Melhor Roteiro para Cássio Pereira dos Santos; prêmio do Júri Popular para Melhor Longa Brasileiro e o prêmio Coelho de Ouro de Melhor Longa Brasileiro. Thiessa também foi premiada por melhor atuação no Outfest.
Parece algo grande. E é! Não só por se tratar de um assunto, a marginalização das pessoas trans, que precisa estar em pauta, como por se tratar de uma produção de baixo orçamento, com locações em duas cidades mineiras, Uberlândia, onde os irmãos Cássio e Érika moram, e Estrela do Sul.
“Esse é o primeiro longa do Cássio. Eu já havia participado dos longas de outras pessoas e tinha alguma experiência. Mas ‘Valentina ‘ foi muito além. Foi prazeroso e desafiador ao mesmo tempo trabalhar com uma equipe com cerca de 40 pessoas no elenco”, afirmou Érika, em entrevista ao “uberground”.
Para ela, o improviso que há nos curtas não existe nos longas e a logística acaba sendo um dos pontos mais trabalhosos. “Se para um curta temos o tempo de locação de uma semana, para o longa ficamos três meses em uma cidade diferente. Contamos com muitas parcerias para tornar o filme viável e posso dizer que Estrela do Sul virou uma família para nós”, contou.
Estrela do Sul fica a pouco mais de 100km de Uberlândia, onde moram os irmãos Cássio e Érika. Tem pouco mais de sete mil habitantes e recebeu o elenco e a equipe com o maior carinho. O filme gerou ainda cerca de 200 empregos, dando trabalho inclusive para moradores da cidade.
“Os moradores se sentavam com a gente nos bares para conversar, tomar uma cerveja, percebi que mudamos a rotina e o astral da cidade”, disse Érika.
Segundo ela, a atriz escolhida para a protagonista, Thiessa Woinbackk, muito conhecida como youtuber, e Guta Stresser, que interpreta a mãe, famosa pela personagem Bebel do seriado “A Grande Família”, faziam a alegria dos fãs. “Viraram atração turística da cidade. Era muito bonito às vezes ver passar um ônibus cheio de crianças que saiam nas janelas gritando ‘Bebel, eu te amo’. Coisas desse tipo mexeram com meu coração”.
SINOPSE
“Valentina” conta a história de uma adolescente trans de 17 anos que muda para uma pequena cidade mineira com a mãe. Com medo de ser intimidada na nova escola, a garota busca mais privacidade e tenta se matricular com seu novo nome. Mas mãe e filha começam a enfrentar obstáculos quando a escola exige a assinatura do pai ausente para realizar a matrícula. Confira o trailer.
A PROTAGONISTA
Érika Pereira dos Santos, além da produção, fez também fez parte da escalação do elenco de “Valentina”. Com a ajuda de Pedro Diniz e Sofia Carneiro, dois profissionais trans que ajudaram a equipe, fizeram o anúncio para a chamada e iniciaram a pesquisa para o roteiro. No anúncio, procuravam meninas trans entre 15 e 30 anos.
“Recebemos 40 vídeos. Fizemos uma peneirada e ficamos com dois, uma do Rio Grande do Norte e uma de Goiás, a Thiessa Woinbackk, de catalão. No fim das contas optamos por ela e depois que ela veio para Uberlândia para um teste não restou dúvida. Ela era perfeita para o papel”, recorda a produtora.
Apesar de ter 28 anos no início das gravações, pelo trailer e pelas fotos, Thiessa passa fácil por uma adolescente e essa foi sua estreia no cinema. A atriz começou em um grupo de teatro no qual ficou por três anos na sua cidade natal. Agora, aos 30 anos, graduada em Biologia, ela vive em São Paulo, onde dirige o influente e crescente canal do Youtube “Thiessita”, com mais de 770 mil seguidores e cerca de 35 milhões de visualizações. Thiessa publica vídeos sobre temas como direitos de pessoas trans, beleza e a importância da auto aceitação para adolescentes LGBTQ. ]
“VALENTINA” PRECISA DE MAIS
“Valentina” foi pensado e produzido para as telonas. A equipe do longa faz uma campanha online via Catarse para conseguir dinheiro para garantir que o filme chegue às salas de cinema quando a pandemia passar. “A campanha está no ar, contamos com a participação de muitas pessoas e empresas que tenham uma política de responsabilidade social e inclusão também são muito bem-vindas para somar”, disse Érika Pereira dos Santos, a produtora do longa.
O filme agora está com a distribuidora Anagrama Filmes que já está fazendo contato com as salas de cinema e quanto mais o filme arrecadar, mais longe vai chegar.
PAPEL SOCIAL
Mais do que entretenimento, Érika enxerga o potencial e o papel social de “Valentina”. Para ela, seria importante o tema ser discutido dentro das escolas, por professores, alunos e também nos núcleos familiares.
“Temos uma preocupação em levar esse material para ser trabalhado de forma didática. É um filme para a família. As pessoas trans nem sempre têm acolhimento em casa. Algumas famílias abandonam os filhos, nem todas são como a mãe de Valentina. A falta de acolhimento em casa e pela sociedade, um ambiente hostil, isso não pode ser tudo que eles têm, podemos ser uma sociedade melhor ”.
CINEMA NO BRASIL
Se tudo correr bem “Valentina” chegará às telonas após a pandemia. Infelizmente, o município de Estrela do Sul, onde grande parte do longa foi filmada, está entre os 90% dos municípios brasileiros que não tem salas de cinema, segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para Érika, seria um presente para a cidade se algum realizador conseguisse levá-lo para lá, no modelo drive-in. “Fico imaginando a magia… a alegria das pessoas ao assistirem na tela grande uma obra da qual elas fizeram parte por tanto tempo”.
Se você quer ajudar “Valentina” a chegar às telonas, colabore com a campanha de financiamento coletivo no Catarse.
FICHA TÉCNICA
VALENTINA (Brasil, 2020, 95 min., português com legendas em inglês)
ROTEIRO E DIREÇÃO CÁSSIO PEREIRA DOS SANTOS | PRODUÇÃO: ÉRIKA PEREIRA DOS SANTOS | PRODUTORES EXECUTIVOS: NATÁLIA BRANDINO, WALDER JUNIOR E HEBE TABACHNIK | DIRETOR DE FOTOGRAFIA: LEONARDO FELICIANO | ENGENHEIRO DE SOM: FRANCISCO CRAESMEYER | DESENHO DE SOM: CAMILA MACHADO | DESENHO DE PRODUÇÃO: DENISE VIEIRA | EDITOR: ALEXANDRE TAIRA | MAQUIAGEM: FERNANDA FELICE | FIGURINO: SIMARA BRANDÃO E OTTO BASTOS | CANÇÃO ORIGINAL: “EU NASCI ALI”, DE TUYO & XAN; |PRODUTORA: CAMPO CERRADO PRODUÇÕES (UBERLÂNDIA, MG) | COPRODUTORES: KOCRIA; CORRIOLA FILMES | APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO ROTEIRO: FUNDO DE APOIO À CULTURA DO DF. |APOIO LOGÍSTICO: OFICINA CULTURAL DE UBERLÂNDIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA E PREFEITURA DE ESTRELA DO SUL
ELENCO: THIESSA WOINBACKK (VALENTINA), GUTA STRESSER (MÁRCIA, MÃE DE VALENTINA), RÔMULO BRAGA (RENATO, PAI DE VALENTINA), LETÍCIA FRANCO (AMANDA), RONALDO BONAFRO (JÚLIO), PEDRO DINIZ (MARCO) E JOÃO GOTT (LAURO).
LOCAÇÕES: ESTRELA DO SUL (MG) E UBERLÂNDIA (MG).
Mais sobre o filme aqui.
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