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‘Ainda Estou Aqui’ traz uma reflexão necessária sobre as marcas deixadas pela Ditadura Militar

Na véspera de Ano Novo, uma segunda-feira, a última sessão programada de “Ainda Estou Aqui” estava prestes a acontecer. Com uma única exibição em uma única sala de cinema, em uma das duas redes de Uberlândia (MG), parecia ser a última oportunidade de ver o filme de Walter Salles nas telonas. O longa havia estreado em novembro e já havia conquistado mais de 3 milhões de espectadores no Brasil. Algumas semanas depois, retornou às salas devido à excelente resposta do público, além das premiações e indicações internacionais, incluindo ao Oscar de 2025.

Para quem tem filhos pequenos – como esta repórter – é provável que as sessões cinematográficas dos últimos anos tenham sido marcadas por velocidade desenfreada, explosões de som e luz, personagens engraçados e animaizinhos fofos e barulhentos. Mas, ao contrário, a sessão de Ainda Estou Aqui no dia 30 de dezembro foi marcada por um silêncio quase total, com mais de 90% da sala lotada. Esse silêncio diz muito sobre o próprio filme.

Este silêncio reflete o respeito do espectador à adaptação cinematográfica do livro de Marcelo Rubens Paiva. A ditadura militar no Brasil (1964-1985) deixou, oficialmente, 434 mortos ou desaparecidos. O impacto da repressão, no entanto, não se limita a esses números. O livro que deu origem ao filme foca no sofrimento de uma dessas famílias. O espectador, então, consegue perceber a dor desse impacto não apenas em uma vida, mas como uma marca indelével que atravessou gerações, refletindo o sofrimento de todos os atingidos.

A direção de Walter Salles leva o espectador à intimidade da família Paiva, uma família comum, e de forma sutil, especialmente no silêncio e nas pausas estratégicas, permite que se sinta o horror desse período histórico. A interpretação de Selton Mello no papel de Rubens Paiva é de uma empatia impressionante. Ele dá vida ao ex-deputado e engenheiro com uma performance que transmite, com delicadeza, a figura de um pai dedicado, amoroso e engajado com a justiça social.

O filme é, sem dúvida, uma obra necessária. A escolha de Fernanda Torres para interpretar Eunice Paiva (1971-1996) foi certeira. A atriz, premiada com o Globo de Ouro, trouxe uma força e profundidade impressionantes à personagem. Ao lado de um filme que já acumula mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, Fernanda encarna com maestria a força de Eunice, uma mulher marcada pela repressão e pela dor, mas também pela luta incansável pela justiça. Uma mulher que sorri quando todos esperam que ela chore.

As cenas de Eunice com os filhos, seu período de prisão e a pressão enfrentada durante os interrogatórios, seu retorno à casa e a luta contínua pela sobrevivência foram magnificamente interpretadas por Fernanda Torres, que vive o auge de sua carreira e ainda permitiu à mãe da atriz, Fernanda Montenegro, viver a mesma personagem nas cenas finais do drama.

O silêncio na sala de cinema, que perdurou até o final da exibição, indica que às vezes não temos palavras para reagir a um capítulo da nossa história que não pode ser esquecido ou apagado. A obra nos oferece um olhar sensível sobre os devastadores efeitos de um momento político que destruiu famílias inteiras, e sua mensagem ressoa de forma profunda e impactante.

“Ainda Estou Aqui” é uma coprodução Brasil-França, realizada pela Conspiração Filmes, Globoplay e Arte France Cinéma. Leia mais aqui.

Foto da Capa: Reprodução/Conspiração Filmes

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