O legado de Cora Coralina além da poesia
Na última segunda-feira (16), o coletivo 5 Marias, de Uberlândia, formado por cinco mulheres educadoras, promoveu a live “Escutas de Cora” (disponível aqui), com Juliana Schroden, doutora em estudos literários e mestre em teoria literária pela UFU. A pesquisadora já havia estudado a obra de Cora Coralina por questões acadêmicas. Parte do doutorado, sobre a obra de Mia Couto, foi realizado em Sorbonne, França.
“Embora eu estudasse Mia Couto, havia disciplinas trabalhadas com Cora. Eu já apreciava e conhecia os poemas dela”, disse Juliana, em entrevista ao Uberground, sobre os caminhos de Cora Coralina que percorreu em na antiga Goiás Velho.
Como ela sentiu a presença da poetisa nesses lugares? E como será que se manifesta a “presença” de Cora em sua terra natal?
“Aconteceu lá em Goiás a mesma coisa que aconteceu quando eu fui a Itabira, a cidade do Carlos Drummond de Andrade. Eu passei a olhar para os poemas dela, assim como para os do Drummond, com outra dimensão. Você passa a entender de onde vem essa escrita, qual o universo que a permeia”, comentou.
Para falar um pouco do sentimento dessa jornada, Juliana cita um trecho do poema “Ausência”, do próprio Drummond: “No pico do amor, o amor não está”. Para ela, até a visita à cidade do autor, esse amor do poema vinha com a visão romântica, do auge do amor. “Em Itabira descobri que havia o Pico do Amor. Subi pelos caminhos drummondianos e me vi na paisagem com as nuvens citadas por ele. Ao ler o poema no Pico do Amor eu entendi que era algo mais espacial, ligado ao espaço do universo da escrita, diferente do que eu havia interpretado antes”.
A vivência na Cidade de Goiás, antiga Goiás Velho, foi semelhante. “Os poemas da Cora sempre falaram da singeleza, do cotidiano, das casas cochichando umas com as outras e isso é muito bonito. E você vê que a cidade se preserva num contexto bem especial, sem casas tão contemporâneas… mantêm as casas com estilo colonial, assim como as pedras”, explicou.
Juliana passeou pelas ruas tortas que Cora cita nos poemas e presenciou os encontros das pessoas. “Você vivencia na prática a experiência que a Cora tinha para escrever tal poema, você visualiza ele dentro do espaço e isso foi incrível de vivenciar. Foi mágico, principalmente em lugares como a igreja Santa Bárbara e na casa dela, que hoje é o Museu Casa Cora Coralina. Senti a presença dela em cada cantinho. Foi como se eu estivesse, na cidade inteira, dentro da casa da poesia de Cora”, contou a pesquisadora.
Essa experiência ganhará em breve um registro audiovisual, no episódio piloto do programa “Viagem Literária”, da produtora Audaz Filmes (RJ), com produção executiva de Andrea Darocha e direção de Marcio Darocha, com apresentação de Juliana.
LEGADO
Juliana destaca que, na sua percepção, o maior legado de Cora Coralina foi o empoderamento feminino. A cidade em que a poetisa nasceu é hoje uma força feminina que para Juliana é um oásis no meio do país, no meio do planeta.
“Lá, as mulheres são proprietárias dos mercados, das empresas ou ocupam cargos de liderança. E para além da poesia da Cora ela era uma grande empreendedora e ela fala dessa força feminina que enfrenta as pedras, o machismo, as dificuldades que a sociedade impunha em sua época, e continua a impor. Para mim, Cora é a força motriz das mulheres da Cidade de Goiás de hoje”.
E Cora Coralina vive e inspira. Juliana conheceu o grupo Mulheres Coralinas, uma associação que auxilia mulheres que tenham qualquer necessidade relacionada a vivência doméstica e fazem desde artesanato até pintura de paredes e construção de coisas para casa, além da literatura”.
A cidade também honra outra poetisa, a primeira a publicar poesia em Goiás, Leodegária de Jesus, uma mulher negra, que fez uma autopublicação independente aos 17 anos. “Ela era uma grande amiga de Cora, hoje tem uma livraria que leva o nome dela. Outra curiosidade, as duas nasceram no mesmo mês e ano. Por isso, vejo que a força de Cora vem de antes. Ela saiu de Goiás Velho para ter seu próprio empoderamento e voltou mais velha, deixando seu legado para a cidade que também mostrava sua força, emergindo ali das pedras”.
Na poesia, o principal legado de Cora, para Juliana, é a escrita fluida do cotidiano, do dia a dia e mostrar que qualquer pessoa, de qualquer idade, raça, gênero, credo é capaz de escrever. “Ela guardava seus poemas desde os 14 anos e publicou somente aos 76 anos! Quando Drummond a descobriu, em 1979, ela virou uma celebridade mundial. Foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Juca Pato. Ela ensina que não há limites para a escrita literária e que a poesia é para todos”, finaliza Juliana Schroden.